Senhores passageiros, vamos iniciar a descida para o Funchal... devem manter o cinto de segurança apertado, endireitar as costas das cadeiras e levantar as mesas... a temperatura exterior é de 25 graus e a hora local é a mesma de Lisboa...
...esperemos que voltem a voar com a nossa companhia...blá, blá, blá
O coração irrompia em batimentos tresloucados e a respiração cada vez mais ofegante lembrava esforços inexistentes...
...as mãos crispavam-se nos braços das cadeiras, o suor corria pelo rosto e os olhares ansiosos entrecruzavam-se por toda a cabine...
Nem os mais experientes, tentando disfarçar o seu nervosismo conseguiam deixar de ler o jornal de pernas para o ar...
O 737 da TAP Air Portugal virava em curva apertada sobre a esquerda deixando que os passageiros dessa ala esquerda pudessem ver com nitidez todo o litoral desde o Garajau até Santa Cruz, enquanto que os passageiros da ala direita sentiam mais perto de si o céu azul polvilhado de algodão branco que cobria a parte alta da ilha...
Os ventos laterais, a aproximação ao aeroporto civil mais pequeno de toda a Europa, o mar que o ladeava de topo a topo, mais lembrando um Porta-Aviões, faziam desta aterragem uma obra-prima de pilotagem que só estava ao alcance de alguns...
...era preciso tocar na pista logo de início, sem hesitar, e inverter reactores de molde a parar não muito longe do final...
Cada vez mais perto, a pista de Santa Catarina via o Boeing aproximar-se, que corrigindo a sua trajectória a cada momento aumentava a ansiedade em toda a cabine...
...uns rezavam, outros fechavam os olhos, deixavam escorrer uma lágrima, e até os mais fortes deixavam fugir alguma preocupação no seu sorriso...
E, de repente, o impacto com a pista, como se o avião tivesse caído de uma altura de alguns metros, a travagem forte, a pressão dos corpos afastados das costas das cadeiras contra os cintos de segurança...
...os gritos, as rezas, os choros, e de repente uma enorme salva de palmas para o piloto-herói quando finalmente o avião era imobilizado...
Depois, o caminho para o Funchal em estrada estreita que serpenteava em abruptas subidas e descidas ao longo de 17 km, até que de repente, logo a seguir ao cruzamento para a Camacha, o espectáculo deslumbrante de uma cidade salpicada em toda a encosta como se de um presépio se tratasse, encabeçada por uma magnífica baía de água azul e límpida.
Que espectáculo magnífico, a capital do reino de Sua Majestade Alberto João...verdadeiramente um Jardim...
Era a nossa primeira participação no Rali Vinho Madeira em 1985
Um rali duríssimo, praticamente todo disputado em empedrado, com o seu início na noite de quinta-feira, para terminar a sua primeira etapa às sete da manhã de sexta-feira.
As especiais confundiam-se com as ligações que eram disputadas perigosamente a um ritmo muito elevado para evitar penalizar...e se por acaso era necessário algum trabalho na assistência...!!!
Hoje, se pudéssemos eliminar os 18 anos de participações regulares, diríamos pela certa que estávamos noutra ilha, noutro rali, noutro lado qualquer....
O porta-aviões aeroporto de Santa Catarina foi vendido para parte incerta, e em sua substituição alguns dinossauros da engenharia civil ganharam o combate que travaram com o mar, construindo uma pista de dimensões suficientes para receber qualquer tipo de avião comercial, em segurança.
A estrada que liga o aeroporto ao Funchal, e que depois continua até à Ribeira Brava é uma excelente via rápida de duas faixas que permite percorrer a distância para a capital em cerca de 15 minutos.
E o túnel (furado) que liga Machico ao Porto da Cruz... e o que liga Ribeira Brava a S. Vicente... e os que estão a construir...
...e o teleférico que nos leva até ao Monte, podendo no entanto fazer-se a descida pelas regionais cadeiras de palha até ao Livramento...
...e as Espetadas Regionais... e a Poncha... e a beleza das Madeirenses... e o calor destas gentes, que nos faz sentir em casa...
Hoje, se pudéssemos eliminar os 18 anos de participações regulares, iríamos encontrar uma Madeira muito mais Europeisada, muito mais evoluída, muito mais moderna e turística e que sem dúvida nos seria difícil identificar com aquela que víramos há quase duas décadas...
...mas uma coisa que encontraríamos imutável era de certo o calor e o carinho com que esta gente nos recebe.
Este ano o Rali Vinho Madeira, já no calendário do Campeonato da Europa coeficiente 20 há alguns anos, fazia o exame de admissão ao Campeonato maior de Ralis – O Campeonato do Mundo FIA-WRC, de cujo grupo de eleitos, foi banido este ano, o Rali de Portugal (por histórias de má memória).
Foi neste sentido, que a excelente prova organizada pelo Clube Sports Madeira em 2001 foi melhorada este ano, não só no aspecto da segurança, como na parte desportiva, com a criação de uma magnífica zona de assistência situada na estação de camionagem “Horários do Funchal”, que além de superiormente situada, permitia soberbas condições de trabalho a todas as equipas, como nunca víramos em qualquer rali que tivéssemos disputado.
Com a base do Rali no Madeira Tecnopólo, onde decorreram as verificações documentais, técnicas e o parque fechado, o Rali Vinho Madeira contava com uma lista de inscritos de 78 pilotos, 10 estrangeiros, 11 continentais, 2 açorianos e 55 madeirenses, de onde destacamos, além dos principais interessados no Campeonato Nacional, Miguel Campos, Rui Madeira e ainda as equipas da Fiat e da Citroen, a presença de Andrea Aghini que já vencera por três vezes esta prova, e dos campeões Italiano Renato Travaglia e Holandês Peter Bijvelds.
As hostilidades foram abertas na quinta-feira pelas 19.30 h com a super-especial da Avenida do Mar, feita por ordem inversa da ordem de partida e que permitiu que os carros pudessem evoluir numa bonita prova espectáculo que concentrou uma enorme multidão, o que demonstra mais uma vez o carinho e a “afiction” que estas gentes da Madeira têm pelo desporto automóvel.
Infelizmente para o espectáculo, embora (com muita sorte) sem consequências físicas, o aparatoso despiste do campeão Holandês Peter Bijvelds e do seu Mitsubishi, que ficou praticamente destruído, e que levou a que a organização demonstrasse a sua eficácia resolvendo o problema na hora sem prejuízo da continuação da prova...muito bem!!!
Depois de todos os carros evoluírem, Andrea Aghini começou a mostrar que estava para vencer e batia novo recorde desta especial com 1’ 25’’.
Mas na sexta-feira é que começava o verdadeiro Rali com a disputa de 15 especiais.
A partida, como habitualmente presidida pelo presidente do Governo Regional, teve lugar na Avenida Arriaga em frente à sede do Clube Sports Madeira como sempre acontece e concentrou, apesar de sexta-feira e às 8 da manhã, muito público, que não quis perder o arranque das “bombas” para a estrada.
Com as primeiras classificativas ainda húmidas pela chuva que caiu durante a noite, a luta começou a desenhar-se entre um super Andrea Aghini e um motivado Miguel Campos e a demonstração cabal da superioridade da Peugeot colocando quatro carros nos primeiros cinco lugares.
Adruzilo Lopes, com um número 1 na porta, resultado de ser Campeão Nacional em título e Vice-Campeão Europeu, tripulava um Fiat Punto Super 1600 da equipa Procar, e a mais nada podia aspirar do que a lutar pela supremacia na Fórmula 3, embora por alguma cautela e desconhecimento do carro não conseguiu colocar-se à frente dos carros oficiais da Fiat Portuguesa e do carro oficial da Citroen que desde o início tomou o comando desta categoria.
No agrupamento de Produção Rui Fernandes liderou desde início uma categoria onde apenas estiveram presentes à partida 11 concorrentes.
Na luta pela melhor equipa Madeirense, Vítor Sá começou por levar a melhor sobre José Camacho e Pedro Mendes Gomes.
Na classe 5, onde a Calisto Corse Equipe participa com o seu Toyota Yaris entregue a Victor Calisto / António Cirne, estavam inscritos 17 viaturas, das quais 9 eram os inalcançáveis Toyota Starlet (ex troféu madeirense).
Os dois Toyotas Yaris também inscritos na classe 5 apresentaram-se com modificações de motor, caixa e carroçaria, não homologadas, tornando a nossa luta desigual na obtenção de um lugar honroso na nossa categoria...
...ainda mais que o terreno molhado da primeira especial do dia, fez com que Victor Calisto tivesse um ligeiro despiste fazendo-o perder mais de um minuto para os seus mais directos concorrentes, em cerca de 11 km de especial.
Na primeira passagem pela especial de Serra d’ Água, Andrea Aghini (ou o seu navegador) teve uma ligeira distracção penalizando à entrada 1 m por avanço.
Ao aperceber-se do erro Andrea Aghini reagiu muito mal, proferindo frases ofensivas e ameaças à organização, querendo fazer crer que o erro seria do controlador. (O piloto mais tarde e mais calmo, pediria publicamente desculpas à organização assumindo o erro cometido pela equipa)
Este erro colocava Miguel Campos a liderar o Rali por uma diferença de 6 s.
Rui Madeira que nunca deixou de ter problemas no seu Ford Focus desistia no final do primeiro dia.
Renato Travaglia ocupava o terceiro posto e Rui Fernandes era o melhor na Produção.
Para o melhor Madeirense, José Camacho comandava após a desistência de Vítor Sá e era seguido de perto por Pedro Mendes Gomes no bonito VW Golf 4 Kit Car.
Na Fórmula 3 Armindo Araújo era líder, seguido dos dois homens da Fiat e por Adruzilo Lopes em quarto, mas mostrando uma melhor adaptação ao carro que tripulava.
Na classe 5 Paulo Nunes liderava no seu Toyota Starlet e Victor Calisto era impotente para sair do penúltimo lugar da classe, batendo no entanto os tempos que fizera o ano passado nestas mesmas classificativas, e que na ocasião foram suficientes para ganhar com larga vantagem aos Toyota Yaris, Ford Ka e Fiat Cinquecento insulares...há coisas que eu ainda gostava de perceber...!!!
O segundo dia, com as últimas 11 classificativas, apresentava-se igualmente duro, e só a dupla passagem pela especial de Ribeiro Frio com 27 km, constituía um desafio para as equipas ainda em prova.
Miguel Campos começou da melhor maneira, ganhando a especial e aumentando a vantagem para Andrea Aghini, mostrando que também sabia jogar ao ataque.
Mais tarde, com uma falha no arranque para uma especial, o piloto da Peugeot Esso Silver Team deitaria tudo a perder e entregava definitivamente o 1º lugar a Andrea Aghini que o manteve até ao fim, mas ganhando apenas com uma vantagem de 12 s.
Andrea Aghini ganhava pela quarta vez na Madeira, Miguel Campos era 2º pelo segundo ano consecutivo e o Campeão Italiano Renato Travaglia completava o pódio que desta vez só tinha uma marca – Peugeot.
Rui Fernandes ganhava a Produção, Armindo Araújo era 10º da geral, ganhava a Fórmula 3 com 31 s de vantagem sobre o Fiat Punto super 1600 de Adruzilo Lopes que herdou a segunda posição nesta categoria após a desistência dos dois Fiat Punto da Fiat Portuguesa.
Para o melhor Madeirense, José Camacho ganhava, era 8º da geral e deixava Pedro Mendes Gomes em segundo a pouco mais de 25 s e em 9º da geral.
Na classe 5 Paulo Nunes ganhou e Victor Calisto era 13º da classe e 44º da geral entre 46 equipas que lograram atingir o pódio da Avenida Arriaga no fim do dia de Sábado.
Ao fim da noite, o jantar de entrega de prémios realizado no pontão sul do porto do Funchal, com o lindo cenário da baía como fundo e o bonito fogo de artifício, encerrou este evento com chave de ouro, e esta organização cuja superior qualidade não terá deixado dúvidas a ninguém, só não será eleita para o Campeonato do Mundo de Ralis, por razões, quer sejam políticas, económicas ou de qualquer outra espécie, mas que por certo não terão a ver com qualquer falha cometida.
Victor Calisto