Pode parecer á primeira vista, mais uma das minhas crónicas chatas e aborrecidas, falando sempre do mesmo, continuando a mandar pedras para um charco que quase já não tem água, dizendo mal de tudo e de todos, até do presidente eleito da nossa Federação que não teve a oportunidade de nos fazer o favor de aparecer numa das provas do principal Campeonato de Portugal de Ralis….
Mas desenganem-se os mais incautos que desta vez estou chateado é mesmo comigo…
E desta vez vou dizer mal de mim…para variar e acompanhar solidariamente os que já há muito tempo o fazem…
E passo a explicar…
Há cerca de 7 anos, acabado de me divorciar da minha oficina preparadora, ou talvez não, fiquei com a casa às costas, sem alternativas para guardar o meu material e o lixo que vamos guardando ao longo do tempo, com a ilusão que um dia nos vai fazer falta…
É quase uma situação desesperada, pois imaginem o problema que é guardar um Carro de Competição, uma Carrinha de Assistência, um Atrelado, uma dúzia de jantes e duas dúzias de pneus usados e reusados e material suplente em segunda mão que dava para encher um contentor, sem ser à porta de minha casa, com todos os inconvenientes que daí podiam advir, desde a má disposição dos meus vizinhos até ao risco dos serviços Municipalizados pensarem que alguém tinha deitado aquilo fora e levarem tudo para a reciclagem…
Dentro dos meus pensamentos mais recônditos, a consulta dos corriqueiros anúncios de aluguer de armazéns que com preços exorbitantes fazem logo desistir os mais ousados, as conversas com os amigos e sei lá mais o quê, lembrei-me de telefonar ao meu amigo de longa data Joaquim Batalha no sentido de averiguar, se na sua zona de influência, teria conhecimento de algum espaço para despejar a minha mochila. Falámos ao telefone, recordamos velhos tempos e combinámos beber um café passados uns dias, enquanto ele averiguava se haveria alguma coisa disponível para me poder satisfazer…
E o dia do café lá chegou, um dia ao entardecer, e onde após procura exaustiva o Joaquim lá vinha com algumas soluções, pois para ele também era desagradável ver um amigo sem ter onde poisar a casa…E andar com ela às costas é mesmo assunto de caracol, e eu ainda acho que ainda consigo ser mais rápido.
Dentro das várias soluções apresentadas aquela que mais me agradou foi um armazém acabado de construir, com muito bom aspeto, não muito grande e que servia perfeitamente os meus intentos….o problema era a renda que era manifestamente acima da disponibilidade orçamental para a situação…
Palavra puxa palavra, chegamos à brilhante conclusão que se calhar não era má ideia dividirmos o espaço e as despesas…
Eu arrumava a minha tralha e o Joaquim ficava com um buraquito para poder estar entretido com os seus parafusos, que isto de ser mecânico de profissão e de vocação, tem muito que se lhe diga…é tipo “bicho carpinteiro” .
Restava resolver um problema, decorria o ano de 2006 e além de arrumar a tralha eu precisava de alguém que a desarrumasse na altura das provas, pois estava a disputar o extinto Campeonato Nacional de Ralis.
Aí percebi um brilhozinho nos olhos do Joaquim e o bater da saudade dos tempos da Fiat e da Renault e a possibilidade, claro que com menos meios e de uma forma mais amadora, voltar ao palco e á ribalta do bichinho que um dia nos penetra até á alma e não mais nos larga até morrer.
Foi então, que passados os preliminares, passamos à ação e propusemos namoro um ao outro…Amor á primeira vista…talvez…o tempo iria ser o melhor conselheiro…
E então, sem pressas nem pressões resolvemos que poderíamos namorar uns tempos e ver o que ia dar…ao jeito desta juventude à rasca resolvemos “curtir”.
O Joaquim tratava dos parafusos e eu tratava dos papeis.
O Xsara, filho legítimo de uma ligação anterior tinha arranjado um padrasto, e eu podia dormir descansado porque ele estava bem entregue e seria pela certa tratado como se de seu filho se tratasse…
Foi assim, se quiserem num clima de autêntico romantismo automobilístico num por do sol daqueles de meterem inveja, que nasceu uma união de facto, a que sem dificuldades demos o nome de INSIDE MOTOR…e era mesmo por dentro dos motores que nós queríamos estar.
E lá fomos andando, dimensionando a nossa pequena estrutura ao trabalho que ia aparecendo e ajustando a nossa capacidade empresarial aos desafios que nos iam surgindo…
E, acima de todas as melhores espectativas, o nosso pequeno armazém com 110 m2 de repente se tornou obsoleto para a quantidade de trabalho que ia aparecendo, muito por culpa da extraordinária dedicação e profissionalismo com que todos os desafios foram sendo ultrapassados, com o objetivo de presentear com um serviço eficaz e de qualidade todos os amigos que iam aparecendo na nossa casa…
Tínhamos de crescer….
E, como prémio da nossa perseverança e atitude, e até porque sempre demonstrámos ser um casal feliz, resolvemos mudar de casa, para uma maior, com melhores condições e para que não tivéssemos de cortar as unhas dos pés para entrar na casa de banho.
Após alguns meses de enorme trabalho, para decorar e mobilar a nova casa, e dotá-la das melhores condições para podermos receber os nossos amigos, nascia um espaço quase com 1000 m2 onde já podíamos esticar as pernas sem correr o risco de entrar na sala do vizinho.
E lá fomos tratando dos parafusos, dos papeis e quando havia disponibilidade, na altura dos extintos subsídios de férias e do natal lá conseguíamos comprar mais um eletrodoméstico que nos fazia falta para podermos receber ainda melhor os nossos amigos.
E lá continuámos também com o Xsara que pelas mãos do seu padrasto e guiado pelo seu pai, conseguiu a proeza de terminar classificado todas as provas do Campeonato Nacional de Ralis de 2007…Que orgulho…para os dois
Mas estava na altura deste filho, já com alguma idade passar à reforma, e dedicarmos mais a nossa atenção a outros interesses, no fundo objetivo principal, e primordial deste casamento.
Coração ao largo e não se pensa mais nisso…
E assim foi em 2008 e 2009…
Mas ó vil doença incurável… em 2010 de tanto olharmos para ele, o Citroen piscou-nos um farol e eu disse com o peito apertado e a garganta a tremer…
”Joaquim olha para o coitadinho….cheio de pó… e se o levássemos a passear… só um bocadinho…. O que é que achas?...e se em vez de ir só eu porque é que não vamos os dois?
Eu dou-lhe a mão do lado esquerdo e tu dás-lhe a mão do lado direito… Olha que era capaz de não ser má ideia?”
E foi assim que em 2010 o levámo-lo a passear duas vezes, em 2011 três e mais três em 2012.
E no início de 2013, e só porque não consigo parar quieto e sossegado, principalmente com a minha cabeça, e como até ali éramos um casal feliz, num Sábado de Janeiro, sentei o Joaquim á minha frente, olhei-o nos olhos e disse-lhe….”Vamos ter um filho juntos”
“É pá olha lá que isto não está fácil e as despesas são muitas e um filho desses custa muito a criar…é melhor ter-mos juízo”
Com alguma tristeza percebi que era só eu quem queria ter um filho, e sozinho não o podia concretizar…
Mas enganei-me… O Joaquim também queria. E passados dois ou três dias não conseguiu resistir e disse-me com o tal brilhozinho nos olhos, que eu bem conheço…
”Embora lá…seja o que Deus quiser”
E foi assim que telefonámos para França, que é de onde as cegonhas trazem os bebés, e encomendámos o mais bonito que lá houvesse…
A gravidez correu muito bem e os preparativos para o parto também…
Fizemos um quarto novo, decorámo-lo a preceito e esperámos ansiosamente a vinda da tal cegonha que nos trouxesse o nosso bebé para o qual já tínhamos escolhido o nome….
Peugeot 208 R2….
Peugeot da parte do pai e R2 da parte do outro pai…talvez.
E em final de Maio a cegonha chegou com o nosso menino…todo nuzinho e inocente a precisar de muito carinho, muito empenho e muita dedicação.
Foi sendo vestido a preceito e as gavetas foram ficando cheias de um enxoval, para o que desse e viesse, mas para que nunca lhe faltasse nada…
E pensava eu que esta era a educação correta….
Mas enganei-me…
Num instante o nosso bebé começou a ganhar vida, calçou os primeiros sapatinhos e disse as primeiras palavras..... que se a memória não me falha foram “BRUUUUUUMMMMMMMM”
E começou de repente a ganhar vida e a andar, e bem depressa e a ganhar a sua independência….
E para que não lhe faltasse nada até o resolvemos batizar.
Convidámos o Bruno e o Nuno para padrinhos e de repente como se o tempo passasse sem darmos por isso, e depois de várias sessões de esclarecimento com os pais e os padrinhos, e mais alguns amigos, para que nada corresse mal, chegou o dia tão esperado….
O nosso menino ia fazer o seu primeiro exame…
Será que estava preparado? Sserá que tinha estudado o suficiente?…
A ansiedade apoderou-se de toda a família, mas à medida que as horas iam passando instalou- se um clima de serenidade e confiança, pois não poderia haver melhores pais e melhores padrinhos para o menino mimado que criámos…
E aqui é que eu estou verdadeiramente chateado comigo.
A idade já me devia ter ensinado que não é por dar-mos tudo aos nossos filhos que os educamos da melhor forma.
E pelos vistos o nosso Peugeot, qual menino mimado, num instante se esqueceu do seu pai e correu estrada fora de mão dadas com os padrinhos, não se importando nunca do passo menos ágil de seu pai e do seu irmão...
Coitado…a idade não perdoa.
E é por isso que eu digo “QUE JÁ NÂO HÁ RESPEITO”….
No meu tempo a festa só começava após a bênção do pai….
No último fim de semana quando com o meu passo débil e cansado cheguei ao fim só vi aterrarem no chão as últimas gotas de champanhe e ainda ouvi os gritos que ecoavam em redor do menino, agora feito homem e que pela mão dos seus padrinhos atingiu a maior idade.
Sim, foi uma falta de respeito, mas cá por dentro não cabe tanto orgulho e tanta satisfação de saber que o nosso filho foi bem preparado para a vida e será capaz de enfrentar qualquer desafio sem medo e com a coragem necessária para o vencer…
Não é por acaso que se chama Peugeot 208 R2 e é filho da INSIDE MOTOR.