Rali Sport Rota do Dão
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Rali Sport Rota do Dão

“All a bord, all a bord, all a bord” – todos a bordo, gritava freneticamente o capitão da curiosa embarcação cuja parte superior emergia da suave ondulação que a balanceava com um ritmo sonolento.

A bombordo e na parte superior do casco, em letras já algo preenchidas pelos habitantes marinhos e pela ferrugem, demonstrando largamente toda uma vida ligada ao mar, ainda se conseguia ler “NAUTILUS”.

E o capitão, de seu nome “Nemo”, continuava altivo e imponente como se estivesse em sintonia com o porto, mais parecendo um pequeno farol, apressando os seus homens para aproveitarem a maré.

Era a última viagem deste ano do Nautilus e praticamente tudo já estava testado e decidido, só faltando alguns pormenores que não deixavam de concentrar os olhares curiosos dos populares, que à medida que se aproximava a hora da partida se iam concentrando e aproximando do porto.

Não tenho dúvidas que este poderia ser um extracto das aventuras descritas pelo Júlio Verne, não evidentemente pela qualidade do escritor, mas sim por todo o cenário envolvente da última prova do Campeonato Nacional de Ralis, o Rali Sport Dão Lafões que decorreu como habitualmente na zona de Viseu.

É que choveu, choveu, choveu que parecia nunca mais acabar...

Isto além do frio, do granizo, do vento, etc, etc, que fizeram mais parecer uma prova de automóveis com uma prova de motonáutica.

Nós até estávamos admirados pensando que a falta de chuva neste Campeonato se devesse a alguma birra do S. Pedro, talvez agastado connosco por termos dito que ele não gostava de automóveis e preferia as Feiras e certames semelhantes, as farturas e a música “pimba”, e até já tínhamos pensado em saldar todos os acessórios para este tipo de intempéries, nomeadamente os pneus de chuva, chapéus, gabardinas e afins.

Mas por outro lado até o tínhamos convidado a fazer uma provinha juntamente com outro santo qualquer, só para ver “como se amassava o pão”.

De qualquer forma, o que é verdade é que, com outro santo, com o Júlio Verne ou outro qualquer, ele acabou por faltar às verificações, mas não deixou os seus créditos por mãos alheias e premiou-nos com um tal arraial de mau tempo a fazer inveja ao Noé e às suas aventuras “em busca do dilúvio perdido”.

Será que o habitual fornecedor destes engraçados e divertidos efeitos especiais terá falhado durante o ano e entregou agora tudo de uma vez, ou será que o dito Santo distribuidor oficial destes efeitos preferiu em vez de estragar um bocadinho de várias provas, estragar um bocadão de uma só?

Mesmo assim, o Sport Clube do Porto não se pode queixar duma lista de inscritos com 62 concorrentes ao Nacional de Ralis e com mais uma vintena participantes no Nacional de Clássicos, que abrilhantaram esta prova e mascararam mais uma vez o deplorável panorama automobilístico nacional.

Com os títulos absolutos de pilotos e marcas já atribuídos e também já conhecidos os campeões das categorias de Produção e de Fórmula 3, ficava para decidir nesta última prova os vencedores dos três troféus mono marca que passearam este ano pelo Campeonato maior dos Ralis em Portugal e que sem eles, pela certa, algumas listas de inscritos seriam ridículas.

No troféu Fiat Punto HGT, Mex, José Sampaio e Paulo Antunes, podiam antes desta prova sonhar com a conquista do troféu, e no troféu Saxo, Armando Oliveira, Vítor Pascoal e Pedro Dias da Silva eram igualmente três galos para o mesmo poleiro.

Na Yaris Cup 2002, António Rodrigues, excelentemente navegado pelo experiente António Manuel cotava-se como o mais bem posicionado para a conquista desta prova organizada pelo Salvador Caetano.

Na classe 5, classe onde a Calisto Corse Equipe habitualmente inscreve o seu Toyota Yaris para Victor Calisto e António Cirne, estavam inscritos 14 concorrentes dos quais 9 eram os pequenos Toyota Yaris do troféu.

Além dos dois WRC e das equipas oficiais, da Citroen e da Fiat, que desta vez inscrevia três carros, dois para os habituais Vítor Lopes e José Pedro Fontes e um terceiro para o ainda Campeão em título Adruzilo Lopes, pouco mais havia a destacar nesta lista de inscritos, onde no agrupamento de produção o já campeão Horácio Franco tinha apenas a companhia de Armando Parente (o António Garrido e o António Teixeira não verificaram), e do Subaru de “Passon” vulgo Rui Trindade que se deve ter “Passado da Cabeça” e pensou que agora com pseudónimo e Subaru é que era (...nunca foi...).

Mas antes dos “finalmente” não posso deixar de comentar a vontade enorme que a Federação e as organizações tem demonstrado em tornar os ralis mais competitivos, aproximar em termos desportivos as equipas com menos meios daquelas que detêm o dinheiro e diminuir desta forma os custos de participação.

Assim, foi com agrado que vi aumentar o preço da inscrição em cada prova.

Fiquei também feliz pelo preço que paguei pelas licenças desportivas no início da época, que é igual para mim, para a minha equipa, para a Peugeot, para o Rui Madeira ou para o Zé-dos-anzóis.

Fico até emocionado, na ocasião das provas insulares ao saber que as condições cedidas para a minha participação que sou “pequeninozinho” são assustadoramente inferiores àquelas que são cedidas às equipas “grandalhonazonas”.

Fico também satisfeitíssimo quando entendo que há um Campeonato Nacional de Ralis, com um vencedor do Grupo de Turismo, com um vencedor do Grupo de Produção, com um vencedor da Fórmula 3 e os que lutam para a sua classe, porque mais além não podem chegar, lutam para nada, apenas por desporto, pois a classe não é premiada com nenhum tipo de classificação nem de um campeonato.

E, com a nova regulamentação de reconhecimento das provas, nem falar da forma como me sinto privilegiado.

Só poder reconhecer as provas, para minorar os custos de participação, em dois de quatro dias à escolha e que geralmente são o sábado e o domingo ou a quarta e a quinta-feira anteriores à realização do evento, sendo que também não são permitidas mais que quatro passagens por cada especial... é um privilégio...

Ora, como é que eu sei se o Miguel Campos, o Rui Madeira, o Zé-dos-anzóis e eventualmente qualquer outro piloto cumpriu o estabelecido se as regulamentações entram em vigor e depois não há ninguém para fiscalizar, avisar e eventualmente punir as infracções.

Como é que eu sei, se por acaso qualquer piloto não esteve há quinze dias no traçado da prova com o carro da vizinha, e depois no Sábado (1º dia de reconhecimento) fazendo quatro passagens, e mais quatro no Domingo (2º dia de reconhecimento) com o carro da namorada, e se não voltou desta vez com o carro do pai ou com um carro da Europcar ou da Avis alugado no nome do “Manel Ceguinho” que até é maneta e manco de uma perna e nunca teve ou terá carta de condução, e fez mais três ou quatro passagens em cada dia?

Até, como é que eu sei se não existem “mestres do disfarce” que possam num dia reconhecer de cabeleira loura e no dia seguinte com um bigode farfalhudo e com um ar de machão? 

E, isto aplica-se a todos, sem excepção, e que venha o primeiro que mande a primeira pedra e que nunca tenha reconhecido um rali fora dos dias e das horas a que é permitido e que tenha feito apenas as quatro passagens permitidas na regulamentação.

E, agora que ninguém nos ouve, é que eu estive numa especial na sexta-feira, entre o “shake-down e as verificações e ninguém me impediu...e não estive lá sozinho!!!

Bem, mas desportivamente a acção começou, juntinho com a chuva e o frio, bem cedo no sábado de manhã, na Feira de S.Mateus em Viseu, santo que percebe e gosta mais de ralis que o tão falado S. Pedro, tal a quantidade de anos que acompanha este desporto, e seguiu direitinho para a região de S. Pedro do Sul onde ficou situado o centro nevrálgico da prova, o seu parque de assistência e o parque fechado, este último mesmo nas famosas termas da região.

E, ainda bem que não houve nenhuma “cabecinha pensadora” que nos pusesse a fazer uma Super-Especial, daquelas que de especial não têm nada, na noite de sexta-feira...”graças a Deus, ou a S.Pedro ou quem tiver intercedido nesse sentido....

Também foi com surpresa que no final das segunda secção, e quando teve lugar a neutralização no parque fechado nas Termas de S. Pedro do Sul, e nos 45 minutos em que estivemos parados e em que podíamos “comer qualquer coisa”, nada estivesse aberto, com excepção feita do Hotel das Termas, com uma sala de Refeições tipo refeitório da tropa e em que um único prato (sem possibilidades de escolha) mais a sopinha e a sobremesa, isto tudo servido eloquentemente por empregadas importadas do Leste custava a módica quantia de 50 Euros por cabeça...é obra!!!

E, à entrada do parque fechado, a região de Turismo, ou a Câmara ou outra coisa qualquer que não percebi bem, mandou um rapazinho de aspecto indigente, agraciar-nos com um saco de papel meio encharcado com muitos folhetos turísticos e com uma garrafa de 75cl de vinho da região.

Será que estas enormes testas organizativas ainda não se aperceberam que uma equipa de ralis é constituída por dois elementos, ou será que, quando chegou a nossa vez já não havia para os dois...é que fazia muito frio e tudo o que estivesse à mão para aquecer era bem-vindo...

Mas não têm importância porque eu e o meu navegador, já convidámos cerca de meia centena de pessoas, já encomendámos o fogo de artifício e já marcamos data para a festa da abertura solene da garrafa.

Em termos desportivos, tudo correu como esperado...Peugeot a vencer e Ford em segundo.

Na fórmula 3 Armindo Araújo, testando já soluções para a classe Super 1600 não evitou um toque que levou a equipa de assistência da Citroen a trabalho suplementar substituindo o eixo traseiro do Saxo em tempo recorde, mas condicionando de forma definitiva a liderança da Fórmula 3 que passou a ter como líder o Campeão Nacional Adruzilo Lopes que conseguiu levar o Fiat Punto Kit Car a vencer a categoria – a quem sabe nunca esquece...

Na Produção Horácio Franco passeou a sua superioridade e venceu, embora a concorrência fosse inexistente após a quebra do motor do Armando Parente.

Mas era na última secção que tudo ficaria decidido em termos dos troféus Fiat e Citroen, visto que no troféu Yaris a desistência prematura de Filipe Mota, deixou António Rodrigues mais descansado, controlando só a sua prova com a intenção de chegar ao fim e conquistar o troféu, o que efectivamente aconteceu, entregando os louros da vitória a Pedro Peres que venceu todas as provas de estrada deste troféu.

Foi assim, nas três últimas especiais que englobavam uma dupla passagem por Senhora do Castelo / Vouzela com quase 23 km, em que até a neve fez a sua aparição, que Armando Oliveira conseguiu conquistar a vitória no troféu Citroen, beneficiando de um despiste de Pedro Dias da Silva.

Apesar de Vítor Pascoal ter ganho o vencedor do troféu teve de ser determinado por factores de desempate, visto os três primeiros terem exactamente o mesmo número de pontos.

No troféu Fiat, nem o “Big Attack” de José Sampaio na 2ª passagem por esta especial, em que conseguiu o melhor tempo à geral, impediu que Paulo Antunes levasse o troféu para casa.

Na classe 5 Victor Calisto, que fora regularmente quarto classificado, e perante tais dificuldades atmosféricas, perdeu nesta última passagem mais de 2m e 30s para a primeira passagem, perdendo também dois lugares na classificação da sua classe e descendo para sexto, o pior resultado deste ano, o que não impediu, de a haver um campeonato da classe com pontuações como as que são atribuídas para o grupo, de a Calisto Corse Equipe ganhar largamente e ser Campeã Nacional de Ralis da classe 5.

De qualquer forma a Calisto Corse Equipe concluiu com êxito mais uma prova, a 15ª consecutiva sem conhecer o abandono e exceptuando a super-profissional equipa da Peugeot Total Silver Team foi a única equipa a concluir todas as provas do Nacional de Ralis de 2002...por este motivo nos esperava uma garrafinha de espumante que com manifesto orgulho regámos as nossa pessoas no pódio da feira de S. Mateus.

E, emergindo de águas profundas o Nautilus vai entrar em doca-seca até Fevereiro, onde esperamos que no Rali Casino da Póvoa comece um Campeonato mais apetecível e competitivo, com o fim dos WRC´s, mas sem o início de novas discórdias que muito pouco têm interessado e beneficiado a quem realmente gosta “a sério” deste desporto.

Ainda uma palavra de solidariedade e incentivo ao Rui David e ao Estrela e Vigorosa Sport e ao José Conde e ao Clube Automóvel do Centro pela exclusão sofrida com os Ralis Casino de Espinho e Rali Figueira da Foz do Campeonato Nacional de 2003, que no mínimo é polémica, e que a nosso ver é injusta e desajustada, tendo pela certa pesado na decisão outros factores que nada têm a ver com a capacidade organizativa ou desportiva de uma organização ou prova, mas sim com factores externos que nunca irão permitir o desenvolvimento, crescimento e divulgação deste desporto, fomentando sim, a suspeição e a dúvida sobre pessoas e instituições.

Até para o ano

Victor Calisto